terça-feira, 2 de junho de 2020

O jovem marinheiro

Yannis Tsarouchis


O jovem marinheiro

Luis Cernuda
Tradução de Alexandre Bonafim

O mar, e nada mais.

Insaciável, insaciável.
Com pé desnudo caminhavas sobre esquecida areia,
Docemente perturbado, como o homem quando um prazer espera,
Teu cabelo seguia a invocação frenética do vento
Todo teu volteio apaixonado albatroz,
A quem seu trágico desejar brotava em asas,
Ao único mestre respondias:
O mar, única criatura
Que poderia assumir tua vida possuindo-te.

Ter somente com os olhos não te bastava,
Nem o ligeiro abraço do nadador indiferente;
Querias ainda mais:
Seus infalíveis lábios transparentes contra os teus ávidos.
Tua quebrada cintura contra o argênteo escudo de seu ventre,
E a vida escapando,
Como sangue sem cárcere,
Do fatal esquecimento em que caías.

Aí já estás.
Não podes recordar,
Porque agora mesmo tu eras silenciosa recordação;
E aquela remota beleza,
Em teu corpo cifrada como feliz coluna,
Hoje só alenta a mim,
Em mim que a revivo sob esta escura forma,
Que quando tu vivias
Sobre um altar invisível te adivinhava erguido.

Não te bastava
O sol de língua ardente sobre o negro diamante de tua pele,
Ao largo de tantas lentas manhãs, ofertadas em ócio celeste,
Plenas de um luzente pólen, igual à corola de uma flor feliz,
De repouso divino, divina indiferença;
Caído o corpo flexível e seguro, como uma arma mortal,
Ante a grande criatura enigmática, o mar inexpressável,
Sem desejo nem pena, igual a um Deus,
Que sem embargo houvesse conhecido, à semelhança do homem,
Nossos desejos infecundos, nossas penas perdidas.

Olha também para longe,
Aquelas escuras tardes, quando severas nuvens,
Denso enxame de negras asas,
Silêncio e declínio vertiam sobre o mar;
E enquanto as gaivotas encarnavam a angústia do ar invadido pela tormenta,
Recorda, ao mar, sacudindo sua entranha,
Como insano que desejasse arrancar na luz,
O núcleo secreto de seu mal,
Torcendo em ondas seu pálido corpo,
Seu inesgotável corpo dolorido,
Assombrado ante teu amor, também inesgotável,
Em que pudesses levar sobre sua fronte atormentada
A concha protetora de uma mão.

As graças vagabundas de abril
Abriram suas pequenas folhas sobre a areia preguiçosa.
Uma juventude nova corria pelas veias dos homens invernais;
Escapavam timidezes, calafrios, pudores
Ante o punhal radiante do desejo,
Palavra ensurdecedora para a criatura dolorida em corpo e espírito
Pelas terríveis mordeduras do amor,
Porque o desejo se ergue dos despojos da tormenta
Quando arde o sol nas praias do mundo.

Mas o que importam a minha vida as praias do mundo?
É essa somente que crava minha memória,
Porque nela te vi cruzar, sombrio como uma negra aurora,
Arrastando as asas de tua beleza
Sobre sua dilatada curva, semelhante a um pomposo ramo
Aberto sob a luz,
Com sua armadura de altas rochas
Caídas na direção das dunas de adelfas e palmas,
Em lânguida paragem do preguiçoso sul.

Ainda veem meus olhos as salinas de rosadas águas,
Os leves moinhos de vento
E aqueles pequenos corpos escuros,
Parcimoniosamente moventes,
Junto aos touros fulvos,
Transportando os lunáticos blocos de sal
Sobre as vagonetas, tristes como tudo o que pertence aos trabalhos da terra,
Até as largas barcas resvaladiças sobre o peito do mar.
Quem poderia viver na terra
Se não fosse pelo mar.

Quantas vezes te vi,
Acariciados os ligeiros tornozelos pelo amplo círculo de tuas calças de marinheiro,
O peito e os ombros dilatados sobre a harmoniosa cintura,
Coberto voluptuosamente de lã azul como de hera.
O desdém esculpido sobre os duros lábios.
Anegar-te frente ao mar em uma contemplação
Mais funda que a do homem frente ao corpo que ama.

Oscilantes sentimentos nos enlaçam com este ou aquele corpo,
E todos eles não são senão sombras que velam
A forma suprema do amor, que por si mesmo pulsa,
Cego ante as mudanças dos corpos,
Iluminado pelo ardor de sua própria chama invencível.

Eu te adorava como ideal de todo corpo belo,
Sem véus que mudassem a recôndita imagem do amor;
Mais que o mesmo amor, mais, me ouves?
Insaciável como tu mesmo,
Inesgotável com tu mesmo;
Ainda sabendo que o mar era o único ser da criação digno de ti
E teu corpo o único digno de sua inumana soberba.

Era o entardecer. As aves do dia
Fugiram ante o furtivo pensamento da sombra.
Os homens descansavam em suas cabanas,
Entre a mulher e os filhos,
Desnudos os pés sob a luz funeral do acetileno,
Espreitando o sonho em seus leitos junto ao mar;
Como se não pudessem dormir distantes do que os faz viver
E do que os faz morrer.

Um grande silêncio, uma grande calma
Dava com sua presença o mar;
Mas também pulsava pelo ar adormecido e fresco de letal anoitecer
Um medo escuro
A não se sabe que pálidos gigantes,
Donos de cinzentas serpentes e negros hipocampos,
Abrindo as sombrias águas,
Em luta seus membros retorcidos com rebeldes potentes animais do abismo.

As barcas, como leves espectros,
Surgiam lentamente da areia sonolenta,
Voluptuosos corpos tíbios,
Com a graça do animal que sabe voltar os olhos implorantes
Para as mãos de seu dono, repletas de proteção e carícias,
E pensa tristemente que se distanciam sem poder retê-las.

Não a essas horas,
Não a essas horas de trégua covarde,
Ao amanhecer é quando devias ir ao mar, jovem marinheiro,
Desnudo como uma flor;
E então é quando devias amá-lo, quando o mar devia possuir-te,
Corpo a corpo,
Até confundir sua vida com a tua
E despertar em ti seu imenso amor
O breve espasmo de teu prazer submetido,
Desposados um com o outro,
Vida com vida, morte com morte.

E uma vez, como rosa abandonada,
Flutuou teu corpo, apenas deformado pelas nupciais carícias do mar,
Mais pálidos os lábios, o mesmo que se houvessem dado passo
A toda sua paixão, a ave da vida;
Igualmente belo assim, jovem marinheiro,
Pungentemente triste com tua beleza inabitada,
Como quando irisavas a vida com teus membros melodiosos.

Transformam-se as vidas, mas a morte é única.
Ainda ouço aquela voz exangue, que em seu vago delírio
Chegou até a mim, através das velas caídas na areia, como asas arrancadas;
Alguém que conhecia tua ausência, porque seus olhos te viram morto, tal uma rosa
                             [abandonada sobre o mar,
Dizia lentamente: “Era mais ligeiro que a água”.

Que desertos os homens,
Como chocam sem se ver uns aos outros suas frontes de vergonha,
E quão doce será rodar, igual a tu, do outro lado, no esquecimento.
Assim tua morte desperta em mim o desejo da morte,
Como tua vida despertava em mim o desejo da vida.

***

Yannis Tsarouchis


EL JOVEN MARINO

Luis Cernuda

El mar, y nada más.

Insaciable, insaciable.
Con pie desnudo ibas sobre la olvidadiza arena,
Dulcemente trastornado, como el hombre cuando un placer
            espera,
Tu cabello seguía la invocación frenética del viento;
Todo tú vuelto apasionado albatros,
A quien su trágico desear brotaba en alas,
Al único maestro respondías:
El mar, única criatura
Que pudiera asumir tu vida poseyéndote.

Tuyo sólo en los ojos no te bastaba,
Ni en el ligero abrazo del nadador indiferente;
Lo querías aún más:
Sus infalibles labios transparentes contra los tuyos ávidos.
Tu quebrada cintura contra el argínteo escudo de su
            vientre,
Y la vida escapando,
Como sangre sin cárcel,
Desde el fatal olvido en que caías.

Ahí estás ya.
No puedes recordar,
Porque ahora tú mismo eres quieto recuerdo;
Y aquella remota belleza.
En tu cuerpo cifrada como feliz columna,
Hoy sólo alienta en mí,
En mí que la revivo bajo esta oscura forma,
Que cuando tú vivías
Sobre un ara invisible te adivinaba erguido.

No te bastaba
El sol de lengua ardiente sobre el negro diamante de
            tu piel,
A lo largo de tantas lentas mañanas, ganadas en ocio
            celeste,
Llenas de un áureo polen, igual que la corola de alguna
            flor feliz,
De reposo divino, divina indiferencia;
Caído el cuerpo flexible y seguro, como un arma mortal,
Ante la gran criatura enigmática, el mar inexpresable,
Sin deseo ni pena, igual a un dios,
Que sin embargo hubiera conocido, a semejanza del hombre,
Nuestros deseos estériles, nuestras penas perdidas.

Mira también hacia lo lejos
Aquellas oscuras tardes, cuando severas nubes,
Denso enjambre de negras alas,
Silencio y zozobra vertían sobre el mar;
Y en tanto las gaviotas encarnaban la angustia del aire
            invadido por la tormenta,
Recuérdale agitado, al mar, sacudiendo su entraña,
Como demente que quisiera arrancar en la luz
EI núcleo secreto de su mal,
Torciendo en olas su pálido cuerpo,
Su inagotable cuerpo dolido,
Trastornado ante tu amor, también inagotable,
Sin que pudieras llevar sobre su frente atormentada
La concha protectora de una mano.

Las gracias vagabundas de abril
Abrieron sus menudas hojas sobre la arena perezosa.
Una juventud nueva corría por las venas de los hombres
            invernales;
Escapaban timideces, escalofríos, pudores
Ante el puñal radiante del deseo,
Palabra ensordecedora para la criatura dolida en cuerpo
            y espíritu
Por las terribles mordeduras del amor,
Porque el deseo se yergue sobre los despojos de la tormenta
Cuando arde el sol en las playas del mundo.

Mas ¿qué importan a mi vida las playas del mundo?
Es ésta solamente quien clava mi memoria,
Porque en ella te vi cruzar, sombrío como una negra
            aurora,
Arrastrando las alas de tu hermosura
Sobre su dilatada curva, semejante a una pomposa rama
Abierta bajo la luz,
Con su armadura de altas rocas
Caída hacia las dunas de adelfas y de palmas,
En lánguido paraje del perezoso sur.

Aún ven mis ojos las salinas de sonrosadas aguas,
Los leves molinos de viento
Y aquellos menudos cuerpos oscuros,
Parsimoniosamente movibles,
Junto a los bueyes fulvos,
Transportando los lunáticos bloques de sal
Sobre las vagonetas, tristes como todo lo que pertenece a
            los trabajos de la tierra,
Hasta las anchas barcas resbaladizas sobre el pecho del
            mar.

Quién podría vivir en la tierra
Si no fuera por el mar.

Cuántas veces te vi,
Acariciados los ligeros tobillos por el ancho círculo de
            tu pantalón marino,
El pecho y los hombros dilatados sobre la armoniosa cintura,
Cubierto voluptuosamente de lana azul como de yedra,
El desdén esculpido sobre los duros labios,
Anegarte frente al mar en una contemplación
Más honda que la del hombre frente al cuerpo que
            ama.
Cambiantes sentimientos nos enlazan con este o aquel
            cuerpo,
Y todos ellos no son sino sombras que velan
La forma suprema del amor, que por sí mismo late,
Ciego ante las mudanzas de los cuerpos,
Iluminado por el ardor de su propia llama invencible.

Yo te adoraba como cifra de todo cuerpo bello,
Sin velos que mudaran la recóndita imagen del amor;
Más que al mismo amor, más, ¿me oyes?,
Insaciable como tú mismo.
Inagotable como tú mismo;
Aun sabiendo que el mar era el único ser de la creación
            digno de ti
Y tu cuerpo el único digno de su inhumana soberbia.

Era el atardecer. Las aves del día
Huyeron ante el furtivo pensamiento de la sombra.
Los hombres descansaban en sus cabañas,
Entre la mujer y los hijos,
Desnudos los pies bajo la luz funeral del acetileno,
Acechando el sueño en sus yacijas junto al mar;
Como si no pudieran dormir lejos de lo que les hace
            vivir
Y de lo que les hace morir.

Un gran silencio, una gran calma
Daba con su presencia el mar;
Pero también latía por el aire adormecido y fresco del
            letal anochecer
Un miedo oscuro
A no se sabe qué pálidos gigantes,
Dueños de grisáceas serpientes y negros hipocampos,
Abriendo las sombrías aguas,
En lucha sus miembros retorcidos con rebeldes potencias
            animales del abismo.

Las barcas, como leves espectros,
Surgían lentamente desde la arena soñolienta,
Voluptuosos cuerpos tibios,
Con la gracia del animal que sabe volver los ojos implorantes
Hacia las manos de su dueño, dispensadoras de protección
            y de caricias,
Y piensa tristemente que se alejan sin poder retenerlas.

No a estas horas,
No a estas horas de tregua cobarde,
Al amanecer es cuando debías ir hacia el mar, joven
            marino,
Desnudo como una flor;
Y entonces es cuando debías amarle, cuando el mar debía
            poseerte,
Cuerpo a cuerpo,
Hasta confundir su vida con la tuya
Y despertar en ti su inmenso amor
El breve espasmo de tu placer sometido,
Desposados el uno con el otro,
Vida con vida, muerte con muerte.

Y una vez, como rosa dejada,
Flotó tu cuerpo, apenas deformado por las nupciales
            caricias del mar,
Mas pálidos los labios, lo mismo que si hubieran dado
            paso
A toda su pasión, el ave de la vida;
Igualmente hermoso así, joven marino,
Desgarradoramente triste con tu belleza inhabitada,
Como cuando tornasolaba la vida tus miembros melodiosos.

Cambian las vidas, pero la muerte es única.
Aún oigo aquella voz exangüe, que en su vago delirio
Llegó hasta mí, a través de las velas caídas en la arena,
            como alas arrancadas;
Alguien que conocía tu ausencia, porque sus ojos te
            vieron muerto, tal una rosa abandonada sobre el mar,
Decía lentamente: “Era más ligero que el agua.”

Qué desiertos los hombres,
Cómo chocan sin verse unos a otros sus frentes de vergüenza,
Y cuán dulce será rodar, igual que tú, del otro lado, en
            el olvido.
Así tu muerte despierta en mí el deseo de la muerte,
Como tu vida despertaba en mí el deseo de la vida.

















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