kris knight
A tristeza sucumbe, nuvem impura,
Distanciando seu voo sombrio
Resplendor indolente, languidesce,
Perdendo-se ao longe, leve, escura.
O furor implacável do estio
Toda a vida esplêndida estremece
E profunda a oferece
Com suas felizes horas,
Seus sóis, suas auroras,
Delirante, azulado torvelinho.
Desde a luz, o mais puro caminho,
Com o fulgor que pisa competindo
Vivo, belo e divino,
Um jovem deus avança sorrindo.
A que céu natal alheio, ausente
Nega-lhe essa imortal presença esquiva
Esse contorno tibiamente pleno?
De mármore animado, quer e sente,
Imóvel, mas trêmulo, aviva-se
Ao sopro de um purpúreo desejar pleno.
O desenho sereno
Da nudez tão pura,
Em um reflexo duro,
E levantando o vulto prodigioso
Do sonho remoto onde jaz,
Destino poderoso,
À força suprema firme nasce.
Mas é um deus? O amanhã parece
Romper de sua atitude a pura calma
Com um gesto de muda melodia,
Que logo, suspenso, não perece;
Silencioso, mas vivido, com alma,
Mantém sucessiva sua harmonia.
O deus que transluzia
Agora esquecido jaz;
Eco seu, renasce
O homem que nenhuma nuvem zela
A formosura diáfana não vela
Já a atração humana ante o sentido;
E sua forma revela
Um mundo eternamente pressentido.
Que prodigiosa forma palpitante
Corpo perfeito no vigor primeiro,
Em sua plena beleza tão humano.
Alçado seu contorno triunfante,
Sólido, sim, mas ágil e ligeiro,
Abre a vida imensa ante sua mão
Todo o horror em vão
A essa firmeza inteira
Com suas sombras quisera
Derrubar de tão fúlgida harmonia.
Mas, aço obstinado, só fia
Em si mesmo esse orgulho tão altivo;
Claramente se guia
Com potência admirável, livre e vivo.
Quando a força bela, a destreza
Desdobra na amorosa empresa ingrata
O corpo; quando trêmulo suspira;
Quando no sangue, oculta fortaleza
O amor possesso se desata,
O lábio com afã ávido aspira
A graça que respira
Uma forma indolente;
Sob seu braço sente
Outro corpo de lânguida brancura
Distendido, oferecendo sua ternura,
Como cisne mortal entre o sombrio
Verdor da espessura
Que ama, canta e sucumbe em desvario.
Mas os tristes cuidados amorosos
Que obstinadamente a paixão reclama
De quem sua vida em outras mãos deixa,
O terno lamentar, os exasperados
Tédios escondidos daquele que ama
E tantas lentas lágrimas de queixa,
O azar firme distancia
Deste corpo sereno;
A seu rigor tão pleno
A liberdade convém somente,
Não o cuidado veemente
Das terríveis e fugazes glórias
Que o amor mais ardente
Encontra enfim depois de suas débeis vitórias.
Assim em seu lábio enamorado nasce
Sorriso luminoso, dilatando
Pelo viril semblante a alegria
Em bela destreza
Que pelos tensos músculos remove.
E a margem próxima, a água leve,
A forma atrás de sua estranha imagem salta,
Relâmpago de neve
Sob a luz difusa tão alta.
Sorridente, adormecida sob o céu,
Sorria a água e transcorria lenta,
Idêntica a si mesma e fugitiva.
Mas em tumulto alçando-se, em revoo
Da rota espuma, ao nadador ostenta
Leve em sua fuga
E a forma se aviva
Com reflexos de prata;
Ata o rio e desata,
Em transparente laço mal seguro,
Aquele rumo veloz entre seu escuro
Anseio já transposto em diamante.
A luz, esplendor puro,
Cálida envolve ao corpo como amante.
Um frescor sossegado se levanta
Rumo às folhas do verde rio
E em invisível voo se dilui.
A sombra misteriosa já suplanta,
Entre o pequeno bosque ávido e sombrio,
À luz tão diáfana que foge
E a corrente flui
Com seu rumor sereno
Do trinar que algum pássaro desvela.
O belo corpo em pé, desnudo zela,
Sob o ramo espesso, entretecido
Com difícil tela,
Sua ofuscante neve estremecida.
Oh novo deus. Com deslumbrante brio
Ao crepúsculo volta vagaroso
Sua preguiçosa graça sedutora.
Todo o fúlgido encanto do estio
O fatigado bosque rumoroso
Em repouso vazio o evapora.
Vã e feliz, a hora
Ao sabor indolente
Se abandona; não sente
Sua silenciosa e lânguida beleza.
Pela cintilante trama escura
Foge o corpo feliz quase em um voo,
Deixando a espessura
Pela delícia púrpura do céu.
Oda
La tristeza sucumbe, nube impura,
alejando su vuelo con sombrío
resplandor indolente, languidece,
perdiéndose a lo lejos, leve, oscura.
El furor implacable del estío
toda la vida espléndida estremece
y profunda la ofrece
con sus felices horas,
sus soles, sus auroras,
delirante, azulado torbellino.
Desde la luz, el más puro camino,
con el fulgor que pisa compitiendo,
vivo, bello y divino,
un joven dios avanza sonriendo.
¿A qué cielo natal ajeno, ausente
le niega esa inmortal presencia esquiva,
ese contorno tibiamente pleno?
De mármol animado, quiere y siente;
inmóvil, pero trémulo, se aviva
al soplo de un purpúreo anhelar lleno.
El dibujo sereno
del desnudo tan puro,
en un reflejo duro,
con sombra y luz acusa su reposo.
Y levantando el bulto prodigioso
desde el sueño remoto donde yace,
destino poderoso,
a la fuerza suprema firme nace.
Pero ¿es un dios? El ademán parece
romper de su actitud la pura calma
con un gesto de muda melodía,
que luego, suspendido, no perece;
silencioso, mas vivido, con alma,
mantiene sucesiva su armonía.
El dios que traslucía
ahora olvidado yace;
eco suyo, renace
el hombre que ninguna nube cela.
La hermosura diáfana no vela
ya la atracción humana ante el sentido;
y su forma revela
un mundo eternamente presentido.
Qué prodigiosa forma palpitante,
cuerpo perfecto en el vigor primero,
en su plena belleza tan humano.
Alzando su contorno triunfante,
sólido, sí, mas ágil y ligero,
abre la vida inmensa ante su mano.
Todo el horror en vano
a esa firmeza entera
con sus sombras quisiera
derribar de tan fúlgida armonía.
Pero, acero obstinado, sólo fía
en sí mismo ese orgullo tan altivo;
claramente se guía
con potencia admirable, libre y vivo.
Cuando la fuerza bella, la destreza
despliega en la amorosa empresa ingrata
el cuerpo; cuando trémulo suspira;
cuando en la sangre, oculta fortaleza,
el amor desbocado se desata,
el labio con afán ávido aspira
la gracia que respira
una forma indolente;
bajo su brazo siente
otro cuerpo de lánguida blancura
distendido, ofreciendo su ternura,
como cisne mortal entre el sombrío
verdor de la espesura,
que ama, canta y sucumbe en desvarío.
Mas los tristes cuidados amorosos
que tercamente la pasión reclama
de quien su vida en otras manos deja,
el tierno lamentar, los enojosos
hastíos escondidos del que ama
y tantas lentas lágrimas de queja,
el azar firme aleja
de este cuerpo sereno;
a su vigor tan pleno
la libertad conviene solamente,
no el cuidado vehemente
de las terribles y fugaces glorias
que el amor más ardiente
halla en fin tras sus débiles victorias.
Así en su labio enamorada nace
sonrisa luminosa, dilatando
por el viril semblante la alegría.
Y la antigua tristeza ya deshace,
desde el candor primero gravitando,
la amargura secreta que nutría.
El cuerpo ya desvía
la natural crudeza
en hermosa destreza
que por los tensos músculos remueve.
Y a la orilla cercana, al agua leve,
la forma tras su extraña imagen salta,
relámpago de nieve
bajo la luz difusa de tan alta.
Sonriente, dormida bajo el cielo,
soñaba el agua y transcurría lenta,
idéntica a sí misma y fugitiva.
Mas en tumulto alzándose, en revuelo
de rota espuma, al nadador ostenta
ingrávido en su fuga a la deriva.
Y la forma se aviva
con reflejos de plata:
Ata el río y desata,
en transparente lazo mal seguro,
aquel rumbo veloz entre su oscuro
anhelar ya resuelto en diamante.
La luz, esplendor puro,
cálida envuelve al cuerpo como amante.
Un frescor sosegado se levanta
hacia las hojas desde el verde río
y en invisible vuelo se diluye.
La sombra misteriosa ya suplanta,
entre el boscaje ávido y sombrío,
a la luz tan diáfana que huye.
Y la corriente fluye
con su rumor sereno;
todo el cielo está lleno
del trinar que algún pájaro desvela.
El bello cuerpo en pie, desnudo cela,
bajo la rama espesa, entretejida
como difícil tela,
su cegadora nieve estremecida.
Oh nuevo dios. Con deslumbrante brío
al crepúsculo vuelve vagoroso
su perezosa gracia seductora.
Todo el fúlgido encanto del estío
el fatigado bosque rumoroso
en reposo vacío lo evapora.
Vana y feliz, la hora
al sopor indolente
se abandona; no siente
su silenciosa y lánguida hermosura.
Por la centelleante trama oscura
huye el cuerpo feliz casi en un vuelo,
dejando la espesura
por la delicia púrpura del cielo.
Muitos críticos afirmam, em certos casos com razão, que os poetas iniciantes, às vezes imaturos, esboçam em seus livros de estreia, ou mesmo nos livros seguintes, num certo período inicial de sua obra, uma escritura em construção, uma falta ainda de maestria para ajustar a palavra ao seu eixo fundamental. Eu, como leitor, muitas vezes sou fisgado pela beleza ingênua de uma obra estreante, ou de uma fase dita "imatura" de um autor, e me deparo com textos de uma espontaneidade tão sedutora, de uma pureza tão arrebatadora. Isso aconteceu comigo ao ler Pablo Garcia Baena, Ricardo Molina, Hilda Hilst. Acho a Hilda Hilst de Trajetória poética do ser sublime. Há poetas, inclusive, que escrevem bem no início de suas carreiras e, depois, decaem. Perdem aquele frescor, aquele encantamento inusitado, surpresa da beleza sem máscaras. Em contrapartida, há poetas que já iniciam sua escrita nas alturas, revolucionando todo o cânone literário de uma época. Basta lembrarmos de Rimbaud que, muito jovem, erigiu uma obra assombradoramente revolucionária.
Um caso peculiar é também o de Cernuda. Ao conviver, na juventude, em Sevilha, com outro grande poeta da geração de 27, Pedro Salinas, esse, mais velho e experiente, não soube reconhecer, na obra inicial do escritor de A realidade e o desejo, o ímpeto e vigor de um grande poeta. O mesmo Salinas, anos mais tarde, com estranhamento confessará que, na época, não se atentara para o fato de que estava diante de um dos maiores poetas do século XX.
O livro de estreia de Cernuda foi duramente criticado por outros críticos que associaram sua escritura a uma transposição do estilo de Jorge Guillén. No entanto, passado o tempo, observo que a obra inicial de Cernuda guarda um frescor, uma ingenuidade, uma pureza capaz de nos arrebatar.
Nesse poema, Ode, observamos, já latentes, as linhas de força que irão explodir em Os prazeres proibidos. Trata-se de um texto longo, escrito inicialmente em homenagem a um ator norte-americano do cinema mudo. A irrupção desse deus, esplendoroso, faz esmorecer toda a natureza, todo o cosmos, numa celebração erótica do corpo e do mundo, repletos de um êxtase celabratório da beleza. Não irei me delongar com explicações sobre o poema. Deixo aqui um link de um blog, em que se pode encontrar uma análise bem detalhada. Enfim, o Cernuda de Ode é já o grande Cernuda, poeta que irá marcar toda a trajetória lírica da Espanha e do mundo.
http://gonzalolloretprofesor.blogspot.com/2019/01/oda-de-egloga-elegia-oda.html
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